O Dia de Finados
A celebração de Finados chama a nossa atenção, a cada ano, para a diferença entre a visão cristã e a concepção profana da vida do homem. Refiro-me aos acontecimentos que constituem a tessitura de nossa existência. O mesmo fato pode indicar sobrevivência ou morte, pautando nosso proceder segundo os ensinamentos de Cristo ou os do mundo. Para este, o falecimento significa a destruição do corpo e, mais ainda, o término da nossa passagem por esta terra. Resta apenas a dor da saudade diante da destruição a que seremos reduzidos. No entanto, para quem crê em Jesus Cristo, pelo contrário, “a vida não é destruída, mas transformada e, desfeita a nossa habitação terrena, nos é dada, nos céus, a eterna mansão”. Embora nossos olhos não mais vejam o ente querido, ele continua a viver, conforme nos ensina a fé. Apenas se antecipou na sua caminhada, rumo à casa do Pai, como alguém que vai nos aguardar adiante, no paraíso.
Nessa perspectiva, a dor da morte, embora cruciante, como efeito de nossa própria natureza toma outra dimensão. Torna-se mais suportável e, não raro, alcançar profunda transformação, mediante nossa crença na realidade da bem aventurança celeste, logo após o falecimento, antes mesmo da ressurreição final.
A saudade perdura, pois é consequência normal da ausência física do parente, do amigo. Entretanto, ela intensamente suaviza pela certeza de que nosso semelhante já se encontra no seio de Deus, para onde espero ir também.
A Celebração de Finados, se nos impele a essa verdade confortadora, ao mesmo tempo nos alerta para princípios que condicionam todo o nosso modo de proceder. A morte é uma passagem para a alegria ou para o sofrimento, o prêmio ou o castigo de suas ações. Após a morte, a existência continua e será feliz ou não conforme os atos praticados aqui.
A cultura moderna introduziu, no comportamento moral, um fato altamente maléfico. Avalia-se a felicidade segundo parâmetros humanos e muitos a colocam, assim concebida, como supremo objetivo de sua presença na Terra. Esse erro é funesto. Deus nos criou para Si e Nele teremos o gozo eterno. Antes, porém, estaremos por algum tempo na Terra. Neste segmento de preparação, impõe-se redescobrir o valor da penitência, a riqueza das restrições aos impulsos das paixões, o preço do sofrimento generosamente aceito. Buscar o bem-estar, em limites razoáveis, faz parte dos nossos direitos. Bem diversa é a ânsia em usufruir, sem restrições, o prazer. Há limitações impostas pelo Senhor quando ainda percorremos os caminhos deste mundo, é profunda a influência do pecado. A mentalidade hedonista procura a satisfação material e, a qualquer custo, com a erosão dos valores espirituais e morais, leva ao esquecimento de Deus e da observância da Lei Divina.
A Celebração de Finados relembra a precariedade da vida, o inesperado da morte, a fragilidade dos bens tão passageiros de que dispomos em nossos dias. Uma conclusão se impõe: devemos olhar tudo, principalmente o que nos rodeia, em seus devidos e justos limites. Tudo aqui é relativo. Absoluto, somente Deus.
A nítida percepção dessas verdades se fortalece quando de nossa visita aos túmulos de nossos irmãos. No cemitério, os valores terrenos assumem outra dimensão.
Em nossos dias, tudo se faz para diminuir o impacto da morte. Ora buscam sepultar uma morte antes de 24 horas prescritas, sem levar em consideração o perigo real de uma morte aparente; ora transformam as exéquias em momentos de certa descontração nos velórios, quando o morto deveria centralizar as atenções, merecer o respeito e a ajuda das preces. Outros procuram abafar, pela agitação inconsequente, a certeza de que outra vida se seguirá à atual. Pelo ruído, buscam amortecer ou anular a voz da consciência que nos acusa.
O Dia de Finados é uma celebração eminentemente cristã. Faz nascer sentimentos de gratidão pelo que recebemos de nossos antepassados, conduzindo o fiel a manifestações piedosas. Revela a sacralidade da vida, o valor do corpo que foi instrumento na prática do bem e que aguarda a ressurreição final. Provoca salutares reflexões que nos conduzem, quando acolhidas por nós, a uma sincera conversão.
A visita às sepulturas traz à mente uma pergunta: os atos praticados durante a vida terrena tê-lo-iam sido, se a perspectiva da morte estivesse nítida como está no campo santo, uma interrogação válida, importante, que poderá mudar nosso comportamento diante das exigências de nossas fraquezas pecaminosas e dificuldades em obedecer às prescrições da lei de Deus?
A meditação da morte é uma extraordinária riqueza. Encontramos, com grande frequência, nos livros espirituais, essa recomendação. Rico ou pobre, poderoso ou não, culto ou ignorante, todos se curvarão frente a essa lei inexorável. Morreremos todos.
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