Fragmentos lagartenses 1
Padre Mário e o pai da criança
Tenho um cordial relacionamento com o Bispo de Propriá, o querido Dom Mário Rino Sivieri. Mas nem sempre foi assim, por conta da impetuosidade do jovem que um dia fui, à época em que comecei a escrever no jornal A Voz de Lagarto, lá no seu nascedouro. Estudante do curso de contabilidade do Colégio Laudelino Freire, administrado pelo então Pe. Mário Sivieri, certa noite, eu e ele tivemos, em plena sala de aula, um desentendimento: em defesa de alunos filhos de agricultores que dependiam da venda da safra de fumo ou mandioca para quitar mensalidades escolares em atraso, fui impelido a discordar da cobrança que o meu diretor fazia, ali em público, após ter invadido a sala, interrompendo a aula de matemática.
Após jogar para fora as minhas contrariedades, discorrendo sobre as diferenças existentes entre o diretor que ali estava e o padre que eu costumava ouvir na Igreja Matriz, peguei meus livros e cadernos e cai fora do Laudelino para nunca mais voltar.
Dias depois, nas páginas de A Voz de Lagarto, eu peguei forte contra o diretor do Laudelino Freire, por quem eu passei a nutrir aquele tipo de ranço que cola no juízo da gente até Deus dar um basta. Passei para o jornal a minha desilusão e contrariedade. O suficiente para que meu pai, com aquele jeito carinhoso de sempre, me aconselhasse a deixar o padre de lado. “Ele é um sacerdote, um homem de Deus”, reforçou olhando para mim com carinho. Apesar de ter iniciado a minha guerra santa sem pensar em trégua ou bandeira branca, resolvi obedecer.
Afinal, meu pai era o timoneiro de meu destino, uma espécie de início, meio e fim que balizavam a minha vida. Nos meus momentos de reflexão, eu sempre me deparava com aquela certeza de que ser filho de Nelson Ferreira era, como continua sendo, uma benção.
Obedeci, mas continuei emburrado, me fiz inimigo do Pe. Mário por achar que seria uma conduta politicamente correta.
Tempos depois, ainda adolescente e cheio de ímpetos, eu me tornei pai de Kaarla Patrícia, a primeira da prole de seis filhas queridas. Passados os dias, coube à minha irmã Elma iniciar as providências para o batismo. Na sacristia da Igreja Matriz, ela ouviu o Pe. Mário dizer que não podia registrar Kaarla com ‘K’ seguido de dois ‘a’, porque certo mesmo, no dizer dele, era Carla, sem K e sem os “aa” pretendidos.
– Elma insistiu: mas o meu irmão quer com K e dois “a”, tal qual passei aí para o sacristão. E soletrou: Ka… ar… la.
– Mas, afinal, quem é o pai ignorante que vem a ser o seu irmão? – perguntou o padre Mário.
– O pai de Kaarla é o meu irmão Euler.
– Olhe prá mim e responda sempre olhando nos meus olhos: você se refere a Euler do Seu Nelson, Nelson do Correio?
– Sim.
– Ai, ai, ai, não é possível, de novo esse rapaz! – lamentou, demonstrando enfado e irritação.
Após respirar profundamente, sentenciou, falando rápido e desaparecendo lá no mundo exterior, em direção à Casa Paroquial da Praça da Piedade:
– Vai, registra do jeito que ela manda! Não quero mais problema com o pai da criança, irmão da moça. Só espero que essa criaturinha com ‘K’ me venha menos arisca e mais cristã.
Tempos depois nos tornamos amigos.
Hoje, menos arisco e mais cristão, reconheço que o atual Bispo de Propriá foi o melhor e o mais importante pároco de Lagarto nos últimos quarenta anos. Com ele, a Igreja Católica cresceu, cumpriu um ciclo importante e que, por certo, jamais será esquecido.
Até hoje, Lagarto lamenta – e chora – a sua ausência.
Homem honrado e querido, ele continua cumprindo a sua missão de evangelizador vindo da Itália para, em nome de Deus, nos aproximar da verdade e da vida.
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