Benditas Uvas Thompson
Vou sempre a Brasília, a serviço e por afinidade com familiares que residem na jovem cinquentona, há 27 anos. Em uma de minhas visitas, no final do ano passado, devidamente instalado no apartamento da família no Cruzeiro Novo, a querida irmã Elma me ofereceu deliciosas Uvas Thompson que, para surpresa minha, não tinham sementes. E lá eu sabia que já temos uvas sem sementes!
Muito interessado naquele manjar inteiramente novo para mim, fui buscar na Internet informações detalhadas para saciar a curiosidade. Determinado texto me pareceu estranho. Lá estava: “os bagos (eu,hein!) da Thompson são grandes e ovalados”. Achei esquisitíssimo mas entendi que era aquele o jeito de falar dos irmãos que nasceram na terrinha além mares, a querida Portugal, pois do texto consultado me foi oferecida ainda a expressão lusitana: “O fruto botanicamente denominado de baga e popularmente de bago é resultado do desenvolvimento do ovário da flor”.
Pois!
Não pensei duas vezes. Após saborear as Uvas Thompson, uma por uma, calma e lentamente, como se fossem as únicas e últimas uvas sem sementes existentes no mundo, eu arrotei baixinho com aquela dignidade própria do maleducado satisfeito.
Não pestanejei. Era imperativo retornar para Aracaju levando as Uvas Thompson. Minha querida Cristina e toda a prole de seis filhas precisavam provar maravilhosas iguarias. Com certeza, ia ser um acontecimento inesquecível. Para a apresentação das uvas pensei até em fazer um discurso a lá Lula, tipo ‘Nunca antes na história desse país, digo, desse Estado…’
Intimei meu cunhado Romildo – honrado cidadão nascido no povoado Limoeiro, na aprazível Lagarto – a ir comigo a procura da preciosidade antes que acabasse. É que na minha cabeça a Thompson era uma dessas coisas raras, daí eu tinha urgência em adquirir o que ainda restava das ditas uvas nas gôndolas dos supermercados de Brasília. Do supermercado até o apartamento, o pacote com quatro quilos da fruta foi conduzido solenemente, protegido do sol e de possíveis solavancos provocados antes ou depois de um daqueles quebra-molas instalados no Cruzeiro Novo.
No dia seguinte, o do retorno a Aracaju, conseguimos uma embalagem especial, à base de isopor importado e resfriado com pedras de gelo produzido com água mineral de afamada Thermas de Goiás. O mais importante era acondicionar as inigualáveis Thompson em recipiente que não alterasse em nada o seu padrão in natura, possibilitando que a suavidade da polpa e a umidade adocicada permanecessem o máximo possível dentro dos padrões sugeridos pelas mais afamadas vinhas européias.
Já no aeroporto de Brasília, durante o checkin, o funcionário da TAM, após pesar e despachar a minha mala, olhou com aquele jeito meio enviesado para o pacote que solenemente eu abraçava. Já imaginando o que ele ia me perguntar, não esperei por tempo ruim:
– Não, o pacote vai comigo.
E ele, insistindo:
-É alguma coisa gelada, congelada, em estado líquido, doce em cauda, assemelhante ou assemelhado?
E eu:
– Não, é uma imagem de Dom Bosco que eu comprei na Feira dos Importados.
-Ah!
Já no avião, devidamente sentado na poltrona, acomodei o pacote sobre minhas pernas e, em seguida, direcionei o bico do ar condicionado – acima de minha cabeça – em direção do dito, de tal forma que mantivesse a temperatura das Thompson na faixa dos 18 graus.
Foi uma viagem tranqüila.
Após o desembarque em Aracaju, a primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi acomodar as preciosas uvas na geladeira. A novidade ainda era segredo.
No café da manhã, apresentei as Uvas Thompson à minha mulher, como se fossem coisas de outro mundo. Mais parecia que eu estava mostrando pepitas de ouro adquiridas em recente viagem a Lua, direto das mãos de um turista marciano em descanso no Mar da Tranquilidade repleto de lava basáltica solidificada. Realmente, para este cronista nascido no Lagarto, eram coisas do outro mundo.
Lá no seu canto, com uma mão no rosto e a outra nos quarto, a nossa empregada Marileuza, 18 anos de casa, só olhava.
E eu lá colocando uvinha Thompson na boca de minha mulher, com discurso de vendedor ambulante.
…Marileuza só olhando…
E eu insistindo, todo falastrão:
-Vá, mastigue, sinta a leveza e a textura da fruta! Esta sim, é uma verdadeira Thompson, importada da Califórnia e ainda desconhecida no Nordeste.
E minha mulher:
-É, é boa.
Um ‘é boa’ dito com aquele entusiasmo de quem perdeu eleição.
De repente, ainda lá no seu canto, Marileuza – naquele jeito de falar meio cantado e no melhor sotaque nordestino – disse algo que me deixou até agora com cara de bobo. Para ser sincero foi uma revelação trágica:
-Uvas Thompis, né? Eu já conhecia faz tempo. Toda semana ela é vendida nas barracas aí da feirinha do Grageru. Tem vez que até sobra e vai pro lixo.
Imagine a minha cara de tacho.
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