Carregando agora

A língua dos brasileiros

Extraído do Jornal SergipeHoje – Ecos & Letras – Cultura

 

Por Sousa e Barroso*

Para os amantes do estudo de línguas, uma excelente opção de pesquisa e conhecimento nesta área é a obra A língua do Brasil, de Gladstone Chaves de Melo. Livro que já conta com três edições: a primeira, de 1946; a segunda, de 1971; e uma terceira, de 1975. Esta, melhorada e ampliada.

Na obra, o leitor defronta-se com questões inerentes à problemática da língua, em particular, à portuguesa. São influências de outras línguas, estilo, vocabulário, entre outras.

Ao iniciar o seu livro, Melo já nos deixa inteirados acerca de autores diversos, os quais também tratam do assunto em momentos anteriores. Numa seção intitulada “A língua portuguesa no Brasil: resenha bibliográfica”, são tecidos comentários a respeito de tais autores e de suas respectivas obras, cujas citações aparecem freqüentemente.

Entre os aspectos relevantes para discussão no livro estão os elementos perturbadores. No Brasil, com a Proclamação da República, começam a chegar os imigrantes de outras localidades, a exemplo da Itália. Esses povos, somados a outras raças aqui existentes são vistos, pela ótica do autor, como “elementos perturbadores” da língua. Incluem-se a estes, as figuras dos “feitores”, das “mucamas” e das “mães-pretas”, os quais, por terem um contato direto com os filhos dos senhores-de-engenho, vão formando, naqueles, um tipo de língua com deturpações.

Por outro lado, o autor reporta-se ao que chama de “elementos unificadores”, que vêm a ser tudo o que se refere à cultura letrada da época: “… as escolas, a língua escrita e o contato com pessoas instruídas” (p. 18).
Um ponto tratado com ênfase no livro, é a questão do “biologismo lingüístico”, fenômeno, segundo o qual, “as línguas seriam organismos vivos” (p. 19), isto é, teriam um processo vital igualmente aos demais seres com vida. Porém este é um assunto com o qual o autor não concorda. Comprova isto, a expressão contida no livro: “… nada mais falso” (p. 19).

Em contrapartida ao tema anterior, Gladstone Chaves de Melo vem mostrar que a língua é um processo cultural e social oriundo de vários tipos de sociedades, as quais passam por mudanças e contribuem para a evolução do sistema lingüístico. Tal fenômeno é conhecido como “sociologismo lingüístico” (p. 20).

O autor chama a atenção para algumas denominações que ele dá àqueles que estudam a causa da língua. Classifica-os como: lingüistas, vocabulistas e nacionalistas. Os primeiros são uma espécie de especialistas da língua. Aos vocabulistas, Chaves de Melo os caracteriza com uma frase que resume o seu pensamento a respeito dos mesmos. “Estes são mais ingênuos” (p. 22). Supõe-se, que tal ingenuidade seja pelo fato de eles (os vocabulistas) haverem chegado à teoria de que “se há palavras diferentes para designar a mesma coisa, é porque já são duas as línguas” (p. 22). Os nacionalistas, segundo Melo, apresentam características peculiares ao que é de caráter nacional: possuem aversão ao que é estrangeiro, são idealistas e, chegam a exigir que seja reconhecida a “língua brasileira”, fato que comprova o tamanho do radicalismo de um ideal.

O autor atenta para dois tipos de palavras, imprescindíveis no processo de composição da língua: as palavras lexicográficas e as gramaticais. Estas, formam a estrutura da língua e, apesar de serem menos numerosas, seria impossível o entendimento da sentença sem a inclusão das mesmas. As lexicográficas servem para compor a frase. Uma espécie de matéria-prima, com a qual se faz um determinado produto.

No tocante à conceituação de Unidade Lingüística, o autor faz um percurso tecendo comentários sobre alguns elementos integrantes do processo lingüístico: dialeto, gíria, calão. A conclusão a que se chega é que a Unidade existe onde se utiliza uma mesma coiné. E como coiné e língua escrita são praticamente a mesma coisa, é possível afirmar que “há unidade de língua entre o Brasil e Portugal, porque a coiné portuguesa é a mesma brasileira” (p. 34).

A cultura de um povo é o elemento mais presente na formação de sua língua. Gladstone Melo refere-se à expressão “unidade de cultura, unidade de língua” (p. 35) para mostrar que uma não prescinde da outra. Talvez, partindo desta premissa, o escritor tenha vindo afirmar que “o Brasil é o mais europeu dos países americanos” (p. 36). Como entender tal afirmação? Sendo o nosso país herdeiro da língua dos portugueses e, pertencendo Portugal ao continente europeu, como não sermos também europeus?

O autor dedica uma seção do seu livro ao trato exclusivo da influência tupi no português do Brasil. Esta influência tem início, em nosso país, através da ação dos padres jesuítas no método de catequização dos índios. Outro fator importante, neste sentido, é a ação dos bandeirantes. Ambos contribuíram para a formação da toponímia e antroponímia da língua portuguesa no Brasil.

A influência africana, no português do Brasil, se dá por meio das palavras gramaticais, contribuindo para o processo estrutural, na fonética e na morfologia, ao passo que, a influência tupi ocorre no aporte vocabular, isto é, com as palavras lexicográficas. Apesar da importância de ambas, nota-se uma certa superioridade da primeira em relação à segunda.

Outro ponto interessante na obra é a referência feita por Gladstone Chaves de Melo, ao que chama de “dialeto caipira”. De acordo com suas explanações, podemos concluir que, tal fator é uma conseqüência dos hábitos lingüísticos tupis juntamente aos africanos. Expressão do tipo “os zome”, em vez de “os homens”, faz parte do referido dialeto.

No capítulo em que aborda a influência africana, o escritor nos faz perceber que, neste processo de contribuição lingüística, o negro-africano dispôs de mais tempo para disseminar a sua cultura, enquanto o índio foi sendo excluído, de alguma forma, do convívio em sua pátria de origem.

Contrariando o que dizem outros autores citados por Chaves de Melo em sua obra, entre eles, Jacques Raimundo, estes afirmam que certas construções são originárias do tupi ou do africano, e o autor refuta tais colocações. Num de seus argumentos, rebate com a frase “são portuguesíssimas tais construções” (p. 86), e ainda exemplifica com uma frase do célebre poeta português, Camões: “alma minha gentil que te partiste” (p. 86).

Na conclusão do quarto capítulo, que trata especificamente da “influência africana”, o escritor parece um pouco utópico ao tocar na possibilidade de “… em futuro remoto, … venham a … talvez até desaparecer as marcas deixadas pelo negro escravo na morfologia da língua luso-brasileira” (p. 89).

O livro apresenta um trabalho gráfico simples, cuja magnitude só se revela no conteúdo de suas páginas. A leitura é envolvente e curiosa, sobretudo para os estudiosos da língua portuguesa.

________________
* Professor universitário, escritor e pesquisador, membro da Associação Sergipana de Imprensa.
Gildo Souza, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe e professor da rede oficial de ensino.

1 comentário

Karine

Chaves de Melo é instigante, tal como seu artigo, professor!
Gostei muito desta análise! Parabéns!

Publicar comentário