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Escola de Dona Filomena Machado

por Francisco Souza

> Longe, muito longe ainda das exigências pedagógicas atuais, Lagarto possuía, além de várias outras escolas, a de Dona Uda e a de Dona Filomena. Tremia de medo quando minha mãe anunciava que iria me inscrever para estudar com a tal professora, tida como severa nos ensinamentos. Quando menos percebi, acompanhando minha mãe pela calçada do galpão onde se vendiam farinha, beiju, e malcasados, eis que nos encontramos com a Dona Filomena, senhora dos seus setenta e poucos anos, andando meio curvada, com uma bengala na mão, a quem fui apresentado como seu novo aluno, a partir do dia seguinte. O contrato verbal foi firmado ali mesmo, tendo como testemunhas os feirantes amarrotados com a poeira de farinha que levantava das medidas. Meu Deus do Céu! Estou perdido! Imaginei. No dia seguinte, estávamos eu e meu irmão Geraldo lá, segurando um caderno, uma tabuada, a Cartilha do Povo e uma pedra feita de ardósia na qual se faziam as contas.

As aulas eram administradas pelas duas irmãs: D. Filomena (a severa) e D. Cecilia que, sentada à porta principal, tomava as lições da meninada. A cada erro, uma tapa no ombro. Se errássemos muito, um beliscão e a reclamação: “Mena, este menino não sabe a lição. Vamos deixar ele de castigo de joelho até ele aprender! Ele não quer estudar!”.

Enquanto isso, Dona Filomena, segurando um óculo no olho direito, tomava as lições da cartilha, soletrando, para no final, o aluno pronunciar a palavra: um Si com A, SeA, SA; um P com O, PeO PO, diga: SAPO. A cada erro, um cascudo na cabeça e a ordem: sente-se e vá estudar de novo!

O medo maior era do irmão Cazuza que ficava lá dentro da casa, que dava para a outra rua, que, mediando chamamento, aparecia apoiado numa bengala com uma palmatória prestes a deferir umas boas palmadas em quem as professoras determinassem. Era o carrasco. Batia mesmo sem saber por quê.

Aos sábados, havia a tradicional sabatina de tabuada. Quem errasse a pergunta da professora, receberia uma palmada de quem acertasse. Hoje, essa prática é ilegal, mas confesso que aprendíamos de verdade.

Essa escola funcionava numa casa que ia da Rua da Glória à rua que passa ao lado do Cinema Pérola (nomes da época).

Lembro-me de, certa vez, quando na tentativa de bater em Toinho de Zé do Arroz, com uma correia que elas sempre traziam ao colo, D. Filomena confundiu o condenado, como ela assim o chamava, e surrou Geraldo meu irmão, pois o Toinho se agachou embaixo da mesa bem ao lado de meu irmão que naquele momento escrevia os exercícios que estavam no quadro negro.

Estas são lembranças de minha infância que guardo com muito carinho.

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