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A panela de feijoada

A comitiva partiu de Aracaju rumo a Simão Dias, para prestigiar um importante evento em homenagem ao desembargador Gervásio Prata. A importância do acontecimento justificava a presença das augustas figuras eclesiásticas, capitaneadas pelos arcebispos da capital sergipana, de Salvador, e párocos de outras importantes cidades do estado. Naquela época, as vias de ligação entre as cidades eram precárias, inexistentes até, e só transitáveis em animais de montaria, quando não a pé. Mas, para espanto de todos, vieram em dois carros. De passagem por Lagarto, juntar-se-ia à comitiva, o padre Jugurta. Já na sua residência e de sua madrasta, na Praça da Piedade, os viajantes decidiram-se por um breve descanso.

A influência da Igreja Católica e a presença de seus nobres representantes fizeram com que uma multidão de fiéis se aglomerasse em frente à casa onde os sacerdotes descansavam. A entusiasmada demonstração de fervor religioso da comunidade católica local contagiou o arcebispo de Aracaju. Num gesto de agradecimento resolveu proferir um improvisado culto religioso. Empolgado com a própria verve e a receptividade, esqueceu-se do tempo, excedendo-se na sua oração.

Aproximando-se a hora do almoço, naturalmente, a fome deu o ar graça. Inesperadamente, os religiosos encontraram a solução mais simplista, contudo, sem consultar a dona da casa: almoçariam ali mesmo, para depois seguir viagem. Tomada de surpresa pela repentina decisão, D. Joaninha, atônita, imaginava consigo onde arrumar comida para alimentar as importantes autoridades. Despreparada para tal empreitada, aperreou-se: o que tinha de mantimento preparado em casa dava somente para os dois: ela e o filho. Urgia encontrar ajuda.

Pelos fundos da casa, na Rua do Fogo, saiu a buscar ajuda na vizinhança, encontrando escancarado o portão do seu vizinho, Joaquim Veloso, o alfaiate. Para sua surpresa, fervia no fogão a lenha, numa panela de barro, uma suculenta feijoada. Em vão, chamou os da casa, sem obter resposta. Estavam prestigiando o sermão do arcebispo. Desesperada, imaginou que aquela iguaria seria a saída para a situação vexatória. Não pensou duas vezes; arrebatou a panela. Com um pano, pegando-a pelas bordas, consumou o furto. A feijoada estava em sua casa.

Deleitavam-se os comensais com o almoço. Na casa dos Veloso, todos esfomeados. Indagavam-se: “onde estava a panela da feijoada?” Desolados, contentaram-se com a farinha seca e rapadura.

Na Rua do Fogo, em frente ao portão de Joaquim Veloso, Quincas Peru, num salão improvisado, exercia o ofício de sapateiro. Falastrão, desbocado, bisbilhoteiro da vida alheia, a tudo presenciara. Esperou tão somente a partida da comitiva, para alardear o sumiço da panela e quem a levara. Sem demora a notícia as espalhou e já era comentada nos teares, nas vendas, nas tendas de marcenaria, casas de farinha, barbearias, casas de costureira, armazéns de fumo, bodegas e demais pontos de atividade comercial.

Joaquim Veloso, no seu carolismo, contemporizou: “Deus me livre de falar alguma coisa, essas coisa de padre no meio acabam em castigo dos céus”.

Padre Jugurta e a sua madrasta passaram por um grande constrangimento. Demorou algum tempo para que a vergonha sofrida desaparecesse e a cidade se cansasse do falatório.

Mais tarde, Quincas Peru teve o seu castigo, motivado pelo seu próprio “veneno”. Por divulgar um suposto caso de adultério, levou uma surra de bainha de facão. O “marido traído”, que não tinha espírito Cristão, fê-lo exilar-se no Rio de Janeiro. Anos depois, no ocaso da vida, retornou a Lagarto.

Bem feito!

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Nota: o fato descrito, embora autêntico em sua essência, apresenta imprecisões. Em razão de julgá-lo pitoresco e divertido, como também, para ser lembrado por aqueles que gostam das passagens folclóricas da nossa cidade, achei importante escrevê-lo, mesmo ciente da carência de correções.

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