Almoço de aniversário
Atendendo ao convite do correligionário e compadre para a comemoração do aniversário do afilhado, Dionísio Machado e seus amigos, Antonio Xisto, o candidato a prefeito Dr. João Rocha, o candidato a vereador Santiago Bispo e seu filho Fernando, rumaram ao sítio nos arredores da cidade. Sua comadre, de boa mão na cozinha, preparara um almoço para celebrar a importante data.
Durante o percurso, os palpites acerca do que seria servido eram diversificados. A expectativa de um pirão de capão era maior; a probabilidade de um carneiro frito ou assado, ou mesmo uma galinha caipira ao molho pardo não estava descartada. Em comum, a vontade de chegar à festa e desfrutar da boa culinária.
Recebidos com as formalidades de praxe, foram acomodados na varanda da casa. Enquanto conversavam, conduzindo as arrumações finais, a gentil anfitriã, no fogão a lenha, aquecia os quitutes que seriam servidos aos glutões: lombo na panela de barro, ensopado de galinha de capoeira, peru assado, fava verde com quiabo e maxixe, arroz e farinha de mandioca. Com o cheiro da comida saindo pela varanda, Dr. João e Santiago, ansiosos para saber do cardápio, pela janela, disfarçadamente, se levantavam para bisbilhotar o que de tão gostoso havia sido preparado.
A mesa já estava posta quando se deu o inusitado: o caçula da numerosa prole, num ato de traquinagem, abaixou a calça, acocorou-se e defecou na sala. A mãe, surpreendida com a cena grotesca, firme, porém discreta, repreendeu o menino e, tresloucadamente, temendo alguém perceber, apanhou o dejeto e atirou-o pela janela do lado. Limpando a mão na barra do vestido como se estivesse sacudindo poeira, dirigiu-se à varanda:
– O almoço está servido. Sintam-se à vontade!
De pé, na janela, os dois apressados assistiram tudo. Olharam-se estupefatos diante da inimaginável cena. Devem ter pensado em desistir da festa e avisar os outros, mas aparentando combinação telepática, compreenderam que um constrangimento ao casal resultaria na perda dos preciosos votos da casa. Fingindo desconhecimento, embora com os estômagos embrulhados, decidiram almoçar. Acompanharam os demais e sentaram-se à mesa.
Terminada a festa, de volta a Lagarto, Santiago revelou o inusitado ocorrido. Dionísio, acometido de náuseas, vomitava, simultaneamente protestando por não ter sido avisado. Dr. João, rindo, consolava o caudilho: “aconteceu após tudo ser servido e nada foi tocado antes”. Antonio Xisto, aliviado, retrucava: “a comida estava gostosa; o almoço foi feito na maior limpeza; tenho certeza”. Fernando, observando-os, optou pelo silêncio.
Refeito do “embrulho” e revigorado pelo chá de erva cidreira da D. Zezé, Dionísio recolheu-se. Os demais, por precaução, valeram-se de um bom sal de fruta na farmácia de Dr. Evandro.
Tudo leva a crer que fizeram um pacto de silêncio sobre o assunto. Se tal acerto existiu, perdurou por muito tempo, mas foi quebrado. Há seis meses, Fernando me revelou. Indagado se tinha comido, a princípio negou, mas depois admitiu: “comi duas asinhas da galinha”. Desconfio que comeu muito mais.
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