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Maria Luíza

Em criança, meu habitat era a Coronel Souza Freire, um fiapinho de rua estreita entre as praças da Matriz – ao norte – e a Sílvio Romero – ao sul -, limitando-se ainda com o Beco dos Cocos e a Rua Acrísio Garcez – ao leste – e a Rua da Glória – a oeste.

Somadas, todas as casas da minha rua totalizavam 23, sem considerar os fundos da fábrica de bebidas que, certa noite, pegou fogo provocando explosões que deixaram todos nós, moradores, muito apavorados. A fábrica pertencia a Seu Nozinho – Ursulino Loiola – que nunca mais quis saber de fazer gasosa e vinho de jenipapo, deslocando-se tempos depois para a Praça Filomeno Hora, onde montou a Casa Oriente, que caiu no gosto do povo porque oferecia uma enorme variedade de produtos. O marketing maior da loja ocorria a cada final de ano com o desfile de um Papai Noel espantoso que saia pendurado numa velha camionete Ford entregando, em meio ao encanto das crianças, os presentes previamente comprados pelos pais na importante loja que, sem dúvida, marcou época.

Na minha rua os nossos vizinhos foram sempre os mesmos, por décadas: Zeca do Gavião e dona Mariana (pais de Artur Reis), minhas tias Neném, Saudalina e Carmelita; dona Lindor, Zefinha Monteiro e Dagiba, Pedro Devoto, Emeliano, Mundinho do Leite, Zefa da Ceguinha, Dalva e Leléu, Enoque da Bodega e Jaconias do Bar. Digamos que eles, ao lado dos amados e saudosos Nelson e Araci, eram, na época, as referências da rua que, geograficamente, sempre esteve no coração da cidade.

A primeira vez que me apaixonei, lá pelos sete anos de idade, era aluno das irmãs Hemetéria e Lourdes, que dirigiam uma modesta escola na Rua Estância, próxima a residência do Dr. Hernani Romero. Mas, minhas primeiras letras eu aprendi mesmo foi com Dona Hulda, parente do falecido artista plástico Jenner Augusto.

Ela, a garota por quem me apaixonei, morava bem próximo, duas casas após a minha. Aluna do Colégio das Freiras, todos os dias, início de tarde, eu ficava sentado no batente lá da porta aguardando que ela passasse vestida com blusa branca e saia azul plissada, garbosa e faceira a caminho do Colégio. Quando ela surgia saindo de casa, meu coração trabalhava a galope e cheio de alegria. Não sabia se eu gostava mais da aparição – daquele primeiro momento em que a doce menina colocava os pés na calçada de sua casa, ou quando passava por mim sem dizer absolutamente nada, a não ser sorrir com jeito tímido e com aquela cumplicidade que eu tanto amava.

Chamava-se Luíza. Maria Luíza, a linda filha do Seu Emeliano.

Nunca a namorei, muito menos expressei meu amor por Luíza, mesmo porque, de repente ela desapareceu, deixando-me, por semanas, sentado ali no batente de casa à espera de sua passagem para o colégio. Ninguém me dizia nada, nem nada eu perguntava. O viço de minha pouca idade me deslocou para uma reserva absoluta de sentimentos que só uma pessoa de minha família decifrava. Pelo menos era o que eu imaginava.

Até que um dia, minha irmã Elma, cúmplice da dor e paixão que eu sentia, me ofereceu a dura verdade. Ela, Maria Luíza tinha morrido após sofrer muito no leito de um hospital, sendo enterrada em Salgado, onde teria nascido.

Talvez tenha sido, exatamente naquele dia, que eu descobri quanto era importante ter pais amorosos. Foi no colo deles que derramei minhas lágrimas e encontrei o conforto que o momento exigia.

1 comentário

Luís Augusto

Euler, Lagarto é uma terra privilegiada. Ler os seus artigos, os escritos de Antônio José, do professor Rusel e do amigo Joaquim, é uma verdadeira viagem no tempo. A sua história sobre Maria Luiza, muito comovente e especial. Vou enviar um cópia to texto para alguns colegas dessa época.

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