Uma excelência, sim senhor!
Que o mundo está de ponta-cabeça, isso está. Os manuais do salve-se quem puder já saíram de circulação por desuso das regras, em seu lugar as editoras optaram por versões coloridas e em quadrinhos de Brigitte Montfort, a Espiã Nua que Abalou Paris, sucesso editorial no final da década de 60 e início dos anos 70 que li e reli em formato livro de bolso das Edições Ouro, cuja coleção era farta na biblioteca do professor Emerson Carvalho. Corpo perfeito, olhos verdes, lábios sensuais, Brigitte cabia como uma luva nos meus sonhos perniciosos de adolescente, a heroína que fazia par comigo no divagar de meus pensamentos mais profundos e libidinosos. Graças ao bom Pai, a lei da compensação se encarregava de colocar tudo na santa devida ordem, fazendo-me beber da boa fonte que sempre foi o arquivo cultural instalado no Solar dos Carvalho erguido na praça da Piedade. Da mesma fonte literária li e reli Os Irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiévski, O Crime do Padre Amaro, do fabuloso Eça de Queiroz e muita coisa do magnífico Luís Vaz de Camões…
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
Em resumo, deu para perceber que pelas minhas mãos passaram clássicos magníficos e uma excitante literatura trash, esse tipo de lixo que sempre vai existir. Nos primórdios de minha adolescência, a leitura não se concentrava apenas nas aventuras de Brigitte Monfort e em alguns livros de Adelaide Carraro (Falência das Elites, Eu e o Governador, Eu Mataria o Presidente). Após ler e reler relatos sexuais picantes e de péssimo conteúdo, mas que alimentavam a ansiedade de minha geração, eu fui apresentado à trilogia Sexus, Nexus e Plexus, obra do recomendável Henry Miller, que até hoje deve repousar nas prateleiras do acervo do professor Emerson.
Vale uma consulta.
Se no passado, na querida Lagarto, eu devorava um livro por semana, agora a marca estacionou em um livro por mês. É… na verdade não é um registro elogiável, com um pouco de esforço eu bem que podia ir mais além. O culpado é o tempo que parece andar mais rápido. Fazer o quê? Por culpa de tantos compromissos profissionais, os livros se acumulam em casa. Apesar de batalhas perdidas, continuo comprando e ganhando. Um passeio pela livraria do principal shopping da capital é uma delícia que se transforma num martírio diante da quantidade de títulos à disposição do leitor.
A propósito, estou acabando de ler A Ética da Malandragem, do jornalista político Lúcio Vaz (do Correio Braziliense). Um pavoroso relato das malandragens que acontecem no subterrâneo do Congresso Nacional. Em seguida, o compromisso é com O Peregrino da Fé, do amigo Cleiber Vieira. Romance – É um livro surpreendente em seu caráter místico-filosófico, segundo a jornalista Joseane Moreira. Adiante, pela ordem, duas obras magistrais que comprei – via postal – em sebos, livrarias que vendem livros usados. Um deles veio de Caraguá-SP, do autor José Condé, romance com o elegante título Pensão Riso da Noite. Na verdade, vai ser uma releitura. O outro, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, comprado no Armazém do Livro, em Goiânia-GO (www.armazemdolivro.com.br).
É óbvio que leio jornais todos os dias. Impressos e eletrônicos. Leio porque gosto e por exigência da profissão. Ontem, como hoje e amanhã, é sempre a mesma coisa. Primeiro os editoriais, as noticias nacionais e internacionais, caderno urbano, esporte, política e os principais colunistas.
Sábado, lá estou eu cumprindo a minha rotina. De repente, o título forte e o lead (primeira parte da notícia):
Padre é acusado de enforcar travesti no altar, em São Gonçalo
Rio – A missa das 19h do último domingo na Igreja Matriz de São Gonçalo virou um tremendo furdunço. O travesti Fabiano Fontes Figueira, a Mayara, de 29 anos, que teria se irritado com sermão feito pelo padre Ademar Pimenta contra os gays, subiu ao altar para reclamar e diz que o religioso apertou seu pescoço com as duas mãos e ainda teria lhe dado chutes. Ela registrou queixa na 72ª DP (Mutuá) e já fez exame de corpo de delito.
A meu lado, ouvindo a leitura da matéria, amigo pastor de uma igreja evangélica arregalou os olhos e disse num gesto de espanto:
– Satanás está solto!
– É, rapaz – concordei solidário.
Prossegui, então, lendo o texto do jornal:
Segundo Mayara, tudo começou porque um evento de um movimento gay estava sendo realizado na rua em frente à igreja. O padre teria passado então a agredir verbalmente os homossexuais. “Ele dizia: ‘Cada um come o que quer, mas não na minha igreja’.
– Paremos por aí – interrompeu o amigo-pastor indignado.
E completou, em tom de despedida:
– Vou rezar por essas almas contra o dragão de sete cabeças e sete chifres.
E mais uma vez repetiu o que era mais ou menos um bordão no seu dia-a-dia..
– Satanás está solto!
Sozinho na sala, concentrei-me no caderno político do jornal que estava em minhas mãos. Optei pela coluna ‘Plenário’, de Diógenes Brayner – Correio de Sergipe, sábado 26 de julho.
De repente, parei incrédulo. Não havia como deixar de pensar no pastor, agora ausente.
– Satanás está solto! – exclamei sem cerimônia, para espanto da moça que acabava de fazer a limpeza da minha sala de trabalho. Meu olhar saiu dela para o jornal.
Lá estava. Tamanho duas colunas, com apenas sete linhas.
Xexéu
O Ministério Público pediu a impugnação do verea-
dor de Lagarto Wilson Fraga de Almeida (Xexéu), do
PSDB, por constatar que ele é analfabeto.
O pedido já teria sido aceito pela justiça eleitoral.
Xexéu é conhecido dos lagartenses. É vereador de
quatro ou cinco mandatos e é o atual presidente da
Câmara Municipal.
Não resisti a um ‘ai meu Deus do céu!
Fiquei de péssimo humor. Para mim, o tempo estava fechado. O dia seguinte, continuava sujeito a chuva e trovoada.
E não deu outra. ‘Seu’ Arlindo, da portaria diz pelo interfone que ‘o jornal está subindo’.
Domingo, 27 de julho, Jornal de Cidade, coluna Periscópio, mais uma nota:
Analfabeto?
Depois de exercer quatro mandatos como vereador
da cidade de Lagarto, o presidente da Câmara Municipal,
Wilson Almeida, o ‘Xexéu’, poderá não mais ter o direito
de disputar as eleições deste ano. É que ele engrossa a
lista de candidatos que não conseguiram passar no ‘teste
de alfabetização’.
Por tantas situações produzidas por outros personagens que estão por aí e mais essa de agora, é que eu sinto o quanto é difícil construir o município que desejamos. Não há dúvida de que as transformações só vão acontecer – entre outras coisas – após a possível e tão sonhada implantação (com fé em Deus) do campus da Universidade Federal de Sergipe na gloriosa Lagarto.
Imagino os nossos jovens envolvidos com uma cidade universitária, com a complexidade do ensino e a conseqüente mudança de comportamento. Mais: a integridade com outros estudantes vindos de vários cenários do interior da Bahia e daqui de Sergipe, o status de ter Universidade Federal e de uma Faculdade particular – iniciativa de um grupo privado lagartense. Enfim, todo o universo concentrado em um importante estágio de ensino superior. Tais ingredientes vão – com certeza – fazer do nosso município um lugar de eleitores politizados, conscientes, e que se dêem ao respeito de em nenhum outro momento de nossa história provocar uma notícia tão depreciativa para a terra de Sílvio Romero, Laudelino Freire, Abelardo Romero, Aníbal Freire e Ranulpho Prata, entre outros.
O perfil da política de Lagarto precisa mudar, sem efeitos tribais de natureza novelesca ou afins.
Não custa lembrar que, assim como o Juiz de Direito e o Prefeito Municipal, o Presidente da Câmara de Vereadores é, também, oficialmente, um Excelentíssimo Senhor! Os três representam os poderes constituídos da República – Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si.
São as três maiores autoridades municipais.
Separado o joio do trigo, estamos bem, não?
PS. Já tinha encerrado esta crônica quando me lembrei do filme Dias Melhores Virão, do diretor Cacá Diegues.
É, pensando bem…
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