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A fatídica história de um lagartense

PHILOMENO (DE VASCONCELLOS) HORA – advogado, casado com Anna Dantas de Magalhães Hora, pai de Filomeno Vasconcelos Hora Filho e de Lauro Dantas Hora, os quais, a exemplo de seu pai, também conquistaram posições destacadas (o primeiro, renomado cirurgião dentista; o outro, médico conceituado e, mais tarde, patrono da Academia Sergipana de Medicina), torna-se Juiz de Direito, mas sua brilhante carreira é interrompida quando é assassinado em 8 de dezembro de 1902, no logradouro que, atualmente, leva o seu nome: Praça Dr. Filomeno Hora, localizado na cidade de Lagarto (SE).

Assinala esse período uma transição política, em que deixa o Paço Municipal o intendente Sebastião Garcez e ocupa o seu lugar Felino Fontes, marcado por esse lastimável episódio: o assassinato de tão insigne lagartense, ao que se sabe, por conta de animosidades políticas da época. Essa história, passada por diferentes gerações, aqui transformamos em conto.

FILOMENO HORA: a fatídica história de um lagartense

Rusel Barroso*

No exercício da magistratura, profissão que escolhera muito condignamente, Dr. Filomeno Hora era um exemplo. Cidadão de uma conduta extremamente ilibada, tributava profundo afeto à esposa e aos filhos, além da atenção que proporcionava às pessoas, o que fizera dele uma das autoridades mais respeitadas do seu tempo na região.

Não obstante seu temperamento pacato, o Juiz de Direito não imaginava o que o destino lhe reservava naquela ensolarada manhã de segunda-feira, 8 de dezembro de 1902, aparentemente, apenas mais um dia agitado em que as ruas do Lagarto eram tomadas de gente que vinha para a feira livre da Praça dos Barracões.

No referido local, feirantes e populares se aglomeravam para os bate-papos e negócios de rotina, quando dois indivíduos, outrora trabalhadores de doutor Felino Fontes, surgiram para mudar aquele cenário, já que um deles, portador de uma faca, trazia consigo a inquietude de quem desejava por em desordem aquele ambiente de encontro entre amigos. Os soldados que estavam em serviço naquele local, trataram de desarmá-lo, mas como houve resistência, resolveram, após regressarem ao quartel, convocar o furriel Adolfo Monteiro – sob cujas ordens se encontravam –, em sua residência. Adolfo, não atendendo aos apelos de sua genitora, encaminha-se à praça.

Contam que, naquela manhã, o furriel achava-se adoentado e, à paisana. Os rumores da agitação do logradouro, logo tomaram conta da cidade, chegando ao conhecimento do Juiz de Direito e demais autoridades. Doutor Filomeno Hora, cônscio de seu dever e do seu posto, coloca seu chapéu, toma o paletó de nobre linhagem e dirige-se à feira.

Adolfo, ao se aproximar dos barracões para desarmar os arruaceiros, foi surpreendido pelo Juiz, que se fizera acompanhar do Promotor Público Hipólito Emílio dos Santos e do Juiz Municipal Dr. Alcides de Aquino Braga. Doutor Filomeno, enfrentando os soldados, censura seus procedimentos, chamando-os à ordem, o que suscitou a que o furriel Monteiro apontasse a carabina para o Promotor, que conseguiu desviá-la, ao mesmo tempo em que gritou o magistrado: “Abaixe essa arma, Adolpho! O senhor quer tirar a vida do Promotor?”. Adolfo retrucou: “Se não tiro a dele, tiro a sua!”.

É sabido que o Dr. Filomeno Hora abriu o paletó e posicionou-se em frente à carabina, desafiando-o: “Se você pensa que é mais autoridade do que eu, atire!”, momento em que a arma dispara, ouve-se um estampido e o Juiz cai inconsciente.

Adolfo, aparentemente ferido, desaparece no meio da multidão, que logo se dispersa. Os soldados, em número de cinco, voltam ao quartel, desertando em seguida.

Naquele instante, Lagarto se transforma e uma comoção toma conta da cidade. A notícia da morte de Dr. Filomeno Hora corre aos quatro ventos e logo todo o Estado toma conhecimento. O soldado Adolfo, há pouco tempo promovido a fourrier (patente similar a que hoje denominamos de cabo), havia se evadido do local, mas a ordem de busca e prisão fora imediatamente dada pelo comando de polícia do Estado, representado por um Doutor Chefe de Polícia, acompanhado de um oficial do Corpo Policial, a fim de manter a ordem e não deixar impune o fato delituoso.

Na manhã do dia 9, Adolfo é brutalmente executado no povoado Santo Antônio, com projéteis de arma de fogo e de instrumentos cortantes e perfurantes, como se num ajuste de contas para aplacar a dor da família Hora e da sociedade lagartense, que acabavam de perder um dos seus representantes mais nobres e que deixara como legado o exemplo de seriedade e honradez no cumprimento do dever de sua profissão.

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P.S.: Colaboraram para construção deste conto, com valiosas informações, os conterrâneos José Vieira Prata (auditor de tributos), Joaquim Prata Sousa (defensor público), Antônio José Monteiro Rocha (cirurgião-dentista), Maria da Piedade Hora (professora) e Valdier Oliveira Cezar (bancário).

6 comments

Edson Silveira da Hora

Bela historia. Não tenho certeza, mas irei fazer uma pesquisa e saber qual o grau de parentesco que tenho com Filomeno Hora. Deve ter sido ____ avô. Fiquei bastante emocionado em saber que um HORA foi membro da magistratura. Não deve ser por acaso que sou advogado.

Jackson Hora

Parabéns a Rusel Barroso e aos colaboradores do Lagartonet: José Vieira Prata (auditor de tributos), Joaquim Prata Sousa (defensor público), Antônio José Monteiro Rocha (cirurgião-dentista), Maria da Piedade Hora (professora) e Valdier Oliveira Cezar (bancário), pela brilhante história desse homem íntegro, meu tio-avô, irmão do meu avô, o desembargador Abílio de Vasconcelos Hora. Quando vivo, meu pai, José Abílio de Aguiar Hora, falava muito, tanto do pai, quanto do tio. É uma honra fazer parte da família Hora.

Roberto de Oliveira Hora

Meu pai, José Oliva Hora, nasceu em Lagarto, lugar que tenho parentes (tios, primos…), lugar que tenho muita vontade de conhecer.

Roberto Oliveira

Esse nome, Philomeno Hora, consta como padrinho no batizado de uma das filhas do meu trisavô Antônio Oliva, interessante saber sua história, embora tenha sido com um trágico final.
Lembrança a todos.

Edy Lima

Muito interessante poder entender um pouco das cidades e de seus personagens ilustres. Não sou de Lagarto, mas moro aqui. Escolhi esta cidade para viver e sempre tive curiosidade sobre suas histórias.

Paulo Nogueira Fontes

Muito boa essa história da nossa Lagarto. Parabéns, mais uma vez, pelo interesse em divulgar matérias do interesse de todos nós lagartenses. Diz a lenda, que o furriel Adolfo, quando estava sendo trucidado em local onde hoje tem uma capelinha, no povoado Santo Antonio, cantou um hino religioso e que esta capelinha ainda hoje é local de devoção de muitos lagartenses que conhecem essa história. Nesse momento não me lembro qual foi o hino religioso, mas tenho a certeza de que muita gente aí no Lagarto, principalmente os moradores próximos da capelinha, sabem esse hino, pois ele é muito conhecido até hoje.

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