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Trajetória da Língua Portuguesa e suas vicissitudes

Extraído do Jornal SergipeHoje – Ecos & Letras – Cultura

 

TRAJETÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS VICISSITUDES

Por Gildo Sousa e Rusel Barroso*

O escritor Sílvio Edmundo Elia sempre esteve debruçado ao estudo da Língua Portuguesa. Em um dos textos de Antônio Houaiss, publicado pela Academia Brasileira de Letras, este o reverencia, e a Serafim Silva Neto, pelo trabalho meticuloso ao delinear a expansão do português.

Na obra, A língua portuguesa no mundo, o autor inicia sua composição com a abordagem de algumas categorias de análise. A primeira trata da distinção entre “Unidade/Variedade”. Ambos os termos são relativos em função da instabilidade apresentada, isto é, dependem do tempo e espaço em que se encontram.

Uma outra categoria tratada por Sílvio Elia é a segmentação da Unidade Sociolingüística. Para ele, esta subdivisão deve concluir-se “antes de idioleto. E a razão é que a unidade que varia tem de ter uma dimensão coletiva…”. Como o idioleto é algo de caráter individual, a Lingüística o exclui de tal categoria.

Como terceira categoria, o autor discorre sobre o conceito de Comunidade Lingüística. Para tanto, busca suporte teórico em lingüistas consagrados, a exemplo de Bloomfield, Labov e outros. Um conceito que, poder-se-ia dizer, trata-se de uma síntese do pensamento dos autores consultados: “Comunidade Lingüística é todo agrupamento humano dotado de um código verbal comum… A todos se impõe, por meio de normas…”.

A noção de Língua e Dialeto é apresentada, no livro, através de características específicas a ambos os elementos, com algumas semelhanças, porém com uma diferença básica: o reconhecimento por parte do estado para o uso da língua. O dialeto não conta com esse privilégio.

Pelas palavras de Haugen pode-se perceber a superioridade da língua em relação ao dialeto. Segundo ele, costuma-se dizer que “X é um dialeto da língua Y” e nunca “Y é um dialeto da língua X”.

No segundo capítulo, que trata das Lusitânias, o que se pode apreender acerca das faces inerentes às mesmas, são os traços sociolingüísticos peculiares a cada uma delas.

Ao observarmos a abordagem do escritor com relação à Lusitânia Antiga, encontraremos os seguintes traços: a Língua-berço, pelo fato de Portugal encontrar-se incluso nesta “face”, por isso, Cabe observar que é a única que apresenta esse traço. A Língua-materna, porque os “cidadãos portugueses” mantêm a tradição literária de seus grandes autores, conforme a citação: “…de Camões a Fernando Pessoa…”. A Língua oficial, por ser reconhecida pelo Estado em seus diversos atos, política e administrativamente. A Língua nacional, por abranger, de forma “unificada”, o território de Portugal. A Língua de cultura, pois concentra em si, valores literários de grandioso porte, como cita muito bem o autor ao mencionar Camões, Padre Vieira, Eça de Queirós… e A Língua Padrão, por ser utilizada nas áreas do conhecimento intelectual e científico, as chamadas “…atividades superiores do espírito”.

O Brasil, denominado de “Lusitânia Nova”, possui os mesmos traços que a “Lusitânia Antiga”, exceto o de língua-berço. Este, como já foi visto, é um traço exclusivo da Lusitânia Antiga (Portugal).

A Língua Portuguesa no Brasil foi-se formando a partir do contato do português europeu com o Tupi e outras línguas indígenas já existentes, principalmente através dos jesuítas catequizadores. No decorrer do século XVII, esse tipo de língua ficou conhecido como “Língua-brasílica”.

Quanto ao binômio Unidade x Variedade, nota-se que o tupi e seus falares afins (dialetos), de Variedades transformaram-se em Unidade (no caso, a Língua-brasílica). Como esse conceito é bastante relativo, também se pode considerar o Tupi uma Unidade em relação aos demais falares de outros grupos indígenas.

Ao produzir o texto, Elia mostra a infiltração do escravo africano no Brasil, que vem dar origem a dois grupos: O Nagô ou Iorubá e o Quimbundo, isto é, “uma língua sudanesa e outra banta”. (Seria a Unidade tornando-se Variedade).

Em um período histórico bem mais avançado (e as línguas avançam com a evolução do tempo), o Brasil chega à República e, com esta chegam várias levas de imigrantes: primeiro os alemães, depois os italianos e mais recente os japoneses. Tais variedades uniram-se e, juntamente à língua existente, formaram o Português do Brasil, ou seja, um misto de várias culturas, formando uma só Unidade – a Língua Portuguesa, que apesar de suas diferenças, é a que o Estado reconhece como língua oficial.

Passeando pelo texto, constatamos que A Lusitânia Novíssima possui alguns aspectos em comum com o Brasil. No caso de Angola, por exemplo, de todas as nações africanas é a que tem mais afinidades com este, o que pode ser visto nas questões raciais históricas e culturais. Os angolanos foram os introdutores do falar “banto”, no Brasil. Em Moçambique, igualmente ao nosso país, o inglês é a língua mais competitiva. Porém, ocorre o contrário em Cabo Verde. Aqui no Brasil, o que é conhecido como Pidgin (língua nativa) foi suplantado pela língua do colonizador (no caso, a Língua Portuguesa); naquele país, o Pidgin (crioulo) resistiu à língua do conquistador.

Um fator importante na composição de uma Língua é o aspecto político de cada povo. É o que ocorre no Timor: fatos políticos levam a população à desagregação e, em conseqüência disso, ao enfraquecimento do idioma falado. Há um esfacelamento da Unidade, embora os timores não cheguem a possuir apenas uma língua veiculando pelo país.

A Lusitânia Dispersa não é bem um exemplo de Comunidade Lingüística, pois (como o próprio adjetivo a qualifica) corresponde aos portugueses que, por razões diversas, migram de seu país e vão expandindo a sua língua por outras regiões, perdendo as características comuns existentes entre ambos.

Das várias categorias de análise trabalhadas por Sílvio Elia, duas delas são freqüentes no processo da comunicação, principalmente no ato da fala: A NOÇÃO DE COMUNIDADE LINGÜÍSTICA faz-se presente em qualquer grupo falante. Até mesmo o idioleto (embora a Lingüística não o reconheça) também está inserido num processo coletivo, ou seja, nenhum falante comunica a si próprio, mas sim a um (ou mais) interlocutor. Convém dar importância ao binômio UNIDADE X VARIEDADE pela presença destes elementos nas várias situações em que a língua é empregada, bem como ao relativismo do referido conceito. Qualquer língua, mesmo aquelas consideradas superiores (atualmente, o Inglês é um caso), não consegue efetivar-se como uma ou outra categoria, em virtude de seu caráter dinâmico.

No terceiro capítulo de seu livro, Sílvio Elia tece comentários a respeito de aspectos relacionados à modernização da língua. O autor faz um percurso da “Velha Roma” com seus grandiosos oradores, chegando às variantes fonológicas ocorridas regionalmente no Brasil, a exemplo do Rio de Janeiro e de Salvador.

Os argumentos apresentados para explicar a evolução da língua são os inventos que vão surgindo com o passar dos séculos: o manuscrito, o livro e o vídeo. Não sabemos por qual razão o autor deixa de mencionar um dos maiores responsáveis pela comunicação no mundo moderno – o computador. Certamente, se o livro estivesse sendo escrito agora, haveria alguma referência acerca dessa grande invenção.

O livro conta com um “vocabulário crítico”, no qual estão os diversos termos referentes à temática abordada, acompanhados da respectiva significação, fato que possibilita ao leitor uma maior assimilação do conteúdo lido.

Na conclusão da obra, Elia faz comentários sobre todos os outros autores citados por ele, bem como, da obra de onde foi retirada cada citação.

A capa apresenta um trabalho gráfico simples, mas é no conteúdo do livro que se revela toda a magnitude da obra. Leitura obrigatória para acadêmicos de letras e estudiosos da língua portuguesa.

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* Professor universitário, escritor e pesquisador, membro da Associação Sergipana de Imprensa.
Gildo Souza, licenciado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe e professor da rede oficial de ensino.

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