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Recordações de Lagarto

Foram muitas as recordações, muitas as saudades. As lembranças de outros tempos vividos na cidade de Lagarto se sucediam, e se atropelavam e deixavam em cada um de nós uma alegria incontida.
A alegria pura, das coisas feitas com ingenuidade, que já não existe mais nos dias de hoje. E transcorreu quase toda a noite a se mencionar nomes, a se recordar casos, a arrancar episódios da memória e do coração.
O coração é um poço profundo, que guarda muita coisa a vida inteira. Pelo menos, aquelas coisas queridas que propiciaram alegria, que tiveram o sabor de sonho, que desabrocharam na alma da gente como flores silvestres.
Vocês sabem, vocês que cultivam flores, que ferem mãos nos espinhos das rosas, que ficam deslumbrados com as azaléas. Vocês sabem muito bem que as flores silvestres nem sempre são as mais famosas, mas pela sua simplicidade, pela forma espontânea como brotam do chão, são das mais admiráveis. Têm, pela sua singeleza, um encanto todo especial, algo que as outras não têm.
Mas nós, a falar de flores? Ou teríamos falado? É provável que sim. Falar de criaturas boas, criaturas amadas, criaturas inesquecíveis é como falar de flores.
E naquela noite de nostalgia nós falamos de muita gente que já se foi para o outro mundo, assim como falamos de muita gente que continua firme, na saudade, na vida e na memória.
Quem estava comigo, falou muito das suas namoradinhas, do jeitinho encantador de cada uma delas.
Até mesmo da branca sardenta, que poderia parecer feia, tinha a sua forma de atrair, a sua maneira de fazer-se bonita diante dos olhos do namorado.
A gordinha, também gordinha e baixinha corada, o cabelo curto correndo em forma de lua nova por cada lado.
Mas, bonita mesmo, bonita para todos os gostos e olhos era a moreninha com seu eterno e atraente sorriso.
Falar de criaturas assim, meninas-moças, é falar de flores. Tão alegres se mostravam nos seus trajes domingueiros, nas festinhas feitas em casa, nas matinês de filmes românticos no Cine Glória.
Tinham, naturalmente, o espírito de mulher, de mulher a sutileza.
Por isto mesmo, ganhavam maiores encantos. E, não saíram nunca, ao longo da vida e de muitas experiências da memória da gente, ficando como sonhos bons, recordações de momentos felizes.
Porque feliz, mesmo, é a juventude.
Não a que se deixa envolver por qualquer tipo de vício. Não a que se faz violenta. Não a que é manejada pelos adultos para a prática de atos condenáveis. Falo da juventude que é ela mesma, ela própria. Autêntica, inconfundível, sem agressões, sem seqüelas e sem traumas. Que pode levar a vida própria da idade, seja estudando, que é essencial; seja praticando esportes, seja paquerando, que é fundamental.
Os jovens precisam ter, adequadamente, as experiências da própria vida. Assim, só assim, é que formam a base de sua vida e de suas lembranças, o equilíbrio de suas atitudes e a arca de suas reminiscências.
Tristes ficariam se, ao atingirem a maturidade e a velhice, não tivessem do que rir e do que falar, com amor e com saudade. Não é com amor e saudade que se fala de droga, que se recordam cenas de violência, nem uma mocidade fria e inexpressiva.
A bússola e a âncora, como a régua e o compasso do homem, estão naquilo que ele soube ou pode fazer na juventude.

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