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Chegada da Luz de Paulo Afonso a Lagarto

Lagarto sempre foi uma cidade pacata e ordeira. Dois soldados de polícia e um delegado eram suficientes para manter a ordem da cidade. Durante o dia, cochilavam no banco de madeira que ficava na sala principal da delegacia, enquanto à noite, nada tinham o que fazer. O serviço de vigilância era feito pelo guarda noturno que percorria quase toda a cidade, soprando um apito para indicar a sua presença naquela rua. A tranquilidade era tanta, que, normalmente, as pessoas deixavam a chave da casa, embaixo da porta da frente, na espera de algum familiar que estivesse para chegar altas horas da madrugada. Não havia o terror porque as ruas estavam às escuras. Não se ouvia o barulhinho do ar-condicionado, nem tão pouco do ventilador. Ouvia-se apenas a respiração das pessoas que estavam dormindo nos quartos ao lado e a musiquinha emitida pelos mosquitos que incomodavam a noite inteira. Mas a energia elétrica estava para chegar. Enquanto não chegava, aproveitávamos o clarão da lua que brilhava tanto como nunca mais brilhou, e punha-nos a brincar de contar estórias, de se esconder ou de correr pelas ruas em que morávamos. Sentávamos nós, meninos e meninas, a contar lorotas, estórias de trancoso, de preferência as que se referiam à assombração.

Chegavam os primeiros caminhões que conduziam os gigantescos postes de cimento que eram fabricados nos terrenos que pertenciam ao Hospital N. Sra. da Conceição, construído com recursos do senhor Zacarias Júnior. Aquelas torres já começavam a mudar a paisagem da cidade, substituindo os pequeninos e frágeis postes de madeira que seguravam a precária fiação que partia do gerador que ficava na usina ao lado do Tanque Grande, hoje aterrado. A usina de energia como era conhecida foi por muito tempo administrada por Seu Detinho, com auxílio de Seu Quintino. A usina funcionava dois a três meses e ficava parada por mais de ano. Quando tínhamos luz, era somente das seis da tarde até as dez horas da noite, quando cinco minutos após um sinal, a energia era desligada totalmente.

É hoje, diziam algumas pessoas pela cidade, que vai chegar energia de Paulo Afonso. Muitos donos de casa já tinham preparado a nova instalação elétrica de suas casas. Na verdade, toda a população teve que refazê-la. Seu Detinho era a pessoa encarregada de efetuar as ligações das casas à rede elétrica da cidade, juntamente ao Seu João Nogueira e Seu Quintino. A procissão acompanhava os técnicos e, em cada casa que era ligada, ouviam-se vivas e palmas, e a multidão não se continha com a euforia de chegar a vez de cada um deles.

Seu João Nogueira e Seu Quintino, carregando uma pequena escada nas costas, não mais seriam chamados para trocar os fusíveis do contador, uma vez que estes foram substituídos por disjuntores, um tipo de equipamento mais moderno que substituía a chave do tipo faca.

Era como um sonho ver brilharem as lâmpadas incandescentes. As avenidas e as praças dispunham de luminárias fluorescentes que eram invejadas pelas cidades circunvizinhas.

Muitas pessoas já havia trocado suas geladeiras a querosene por uma elétrica, que eram colocadas na sala da frente como ostentação da época. E os comentários prosseguiam dia a dia, a respeito de quem já dispunha de energia elétrica, como votos de parabéns, e dos eletrodomésticos que haveriam de comprar. Na verdade, tudo não passava de uma geladeira, um rádio de válvulas, um liquidificador e um ferro de passar roupa. O ferro a carvão, pesado e trabalhoso, teve seus dias contados com o advento do ferro elétrico.

Meu pai, conhecido por Antonio do Café, porque tinha uma torrefação de café, e nós sofríamos com a falta de energia elétrica na cidade, porque tínhamos que moer o café no moinho à mão. Além do trabalho manual de torrar o café, diante do calor e da fumaceira que se espalhava pela vizinhança, tínhamos que efetuar a moagem e o empacotamento do café para poder vender na segunda-feira, que era o dia da feira principal da cidade. Então, a chegada da energia elétrica foi um grande alívio para nós, que, ainda crianças, tínhamos que ajudar ao velho nos dias de domingo para bem de nossa sobrevivência.

1 comentário

Paulo Nogueira Fontes

Chico! Naquela época, além do Deusdedith (o Detinho), meu pai (João Nogueira) e Tintino (seu auxiliar), também trabalhou na USINA, desde a década de 30 do século passado, seu Jorge Amado, pai de Aloisio, Gilson, Luiz, Adelmo, Dedete… de família numerosa. A primeira Luz Elétrica de Lagarto, a motor, inicialmente à vapor, depois a óleo diesel, foi inaugurada em 15 de fevereiro de 1924, e a Luz Elétrica de Paulo Afonso foi inaugurada em 21 de fevereiro de 1961, na administração do Prefeito Antonio Martins de Menezes.

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