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Los Guaranis nos bailes da vida (Beatriz Góis Dantas*)

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No final dos anos 70, numa reunião de despedida de colegas de vários mestrados na Unicamp (Campinas, SP), no bojo de uma discussão sobre temas promissores de pesquisas, uma colega afirmou que a área de festas, músicas e shows iria explodir na sociedade brasileira. Premonição ou comentário feliz de quem acompanhava as tendências da cultura no Brasil, o que se viu nas décadas seguintes mostrou que ela acertou em cheio.

Nesse contexto, Los Guaranis, conjunto musical surgido em Lagarto no início dos anos 60, acompanhando a onda de festas e shows que se alastrou pelo país, projetou-se e acaba de celebrar 50 anos de atividade e sucesso. Para marcar a data, a Academia Lagartense de Letras convidou seus membros para escreverem sobre a famosa banda sergipana, do que resultou um livro editado com patrocínio de empresário local, lançado no final de 2013, constituindo-se num feito louvável da jovem agremiação literária.

Nos bailes da vida (J. Andrade, 2013, 72 p.), organizado por Claudefranklin Monteiro e Assuero Cardoso, dois lagartenses com vasta obra no campo da poesia, reúne um conjunto de ensaios produzidos por pessoas de diferentes gerações e formações profissionais. Há textos de advogado, professor, historiador, funcionário público, jornalista, bancário, odontólogo, promotor, defensor público, poeta, enfim, atores sociais diversos afeitos ao ato da escrita e cujas trajetórias de vida, em algum momento, se cruzaram com Los Guaranis.

Aos acadêmicos Antonio José Monteiro Rocha, Anselmo Vital de Oliveira, Assuero Cardoso, Claudefranklin Monteiro, Deijaniro Jonas Filho, Euler Ferreira, Emerson da Silva Carvalho, Euclides de Oliveira Santos, Joaquim Prata Souza, Noeme  da Silva Dias, Paulo Andrade Prata e Rusel Marcos Batista Barroso, presidente da entidade,  uniram-se aos historiadores lagartenses José Uesele e Renato Araújo Chagas, com estilos e enfoques diversificados a evocar episódios de suas vidas em que Los Guaranis foi referência marcante. Ao lado das evocações, há o esforço de refazer o percurso histórico do conjunto musical que virou orquestra famosa. História esboçada através dos depoimentos de diversos integrantes, o que gerou versões múltiplas, cuja riqueza reside justamente na variedade de personagens chamados à cena das origens e da construção do sucesso.

Em seus tempos áureos, Los Guaranis chegou a contabilizar 27 apresentações mensais (p. 65) e dividiu o palco com celebridades da música popular brasileira como Luiz Gonzaga, Fagner, Elba Ramalho, Roberto Carlos, Dominguinhos, Nelson Ned, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Giliard, Benito de Paula, Ronnie Von, e vamos ficando por aqui para não sobrecarregar muito o texto, pois além das parcerias com muitos outros cantores famosos, apresentou-se também ao lado de bandas de sucesso.

Todavia, a obra rastreia também o lado dos bastidores, mostrando o persistente e longo caminhar na conquista do mercado, desde os pequenos clubes das cidades do interior baiano e da periferia de Salvador até as agremiações mais prestigiadas do Nordeste; as engrenagens empresariais com seus prosaicos problemas de administração e logística e a renovação interna do grupo que ainda conserva alguns dos fundadores ao lado dos jovens.

Ao longo da leitura do livro, uma certeza vai se delineando: o grande segredo da longevidade e sucesso de Los Guaranis foi sua capacidade de reinventar-se, de acompanhar as demandas do tempo enquanto preservava marcas próprias. Tributária das grandes orquestras, como a de Ray Conniff, feitas para animar bailes nos quais se dançava de “rostinhos colados, onde os corpos gritavam em silêncio” (p. 61), a banda foi incorporando as mudanças dos costumes, a explosão frenética dos corpos que se agitam e gritam em consonância com as sensações fortes dos altos sons e das feéricas luzes dos muitos shows da vida.

São essas vivências guardadas nas lembranças, agora transpostas para o papel com os filtros do presente e do momento de comemoração, que vêm a público, traduzidas em linguagem coloquial e poética, num justo tom de louvação à orquestra que se projetou para além da terra natal, enchendo de orgulho os lagartenses e os sergipanos.

Rendendo-me ao tom memorialístico da obra, evoco uma passagem da minha vida em que Los Guaranis integrou-se, marginalmente, à minha vivência, deixando lembranças ralas, porém eloquentes, sobretudo por acentuar a longevidade da banda nesse mundo marcado pelo efêmero.

Na segunda metade da década de 80, fui morar na Atalaia, num local então pouquíssimo habitado, onde a tranquilidade e a benfazeja presença do mar eram turvadas pela ausência dos chamados “bens da civilização”.  Logo depois, ao lado da casa, foi construído o Hotel Parque dos Coqueiros que trouxe o asfalto, a linha telefônica e outros serviços. Com sua arquitetura horizontal, seus extensos e verdejantes gramados entremeados de coqueirais, logo se destacou no setor hoteleiro da praia. Personalidades do mundo da política, celebridades artísticas, turistas endinheirados, ou nem tanto, movimentaram o local que passou a sediar também importantes festas de Réveillon. Durante anos, da janela de minha casa, acompanhei as animadas festas realizadas nos jardins do Hotel, muitas delas animadas por Los Guaranis.

Pouco festeira, logo aprendi a conviver com os ruidosos eventos que me impediam de dormir. Ia para a biblioteca, abria a larga janela que dava para os gramados do hotel e, ao som de Los Guaranis, ou qualquer outra orquestra que estivesse animando a festa, prazerosamente, punha-me a arrumar livros nas estantes e organizar documentos preparando-me para a rotina do novo ano. De vez em quando, dava uma espiada na animada festa que, sob a minha janela, se prolongava até o sol raiar, invadindo o primeiro dia de janeiro. Manhã já formada, o mestre de cerimônia anunciava: “Los Guaranis avisa que esta será a última música”. Logo se ouviam os sons de “Marcas do que se foi”, cantada pelos animados foliões a proclamar a força da amizade e os desejos de paz e renovação. A música era repetida várias vezes, mas os festeiros não se davam por satisfeitos e, ao final, ouviam-se em uníssono os insistentes pedidos gritados pelo público agitado: “mais um, mais um”. De repente, a orquestra atacava com o hino do Clube Esportivo Sergipe.  Mais uma vez repetiam-se os pedidos de mais um, mais um. Lá vem o hino do Confiança e assim se alongava a festa entrando pela manhã já ensolarada até que os últimos acordes musicais se esvaíam no ar finalizando a festa em pleno dia do ano que se iniciava.

Com o passar do tempo, o Hotel entrou em declínio e em 2013 foi demolido. Da janela da biblioteca, com pesar, assisti à ação das possantes máquinas que levaram de roldão construções relativamente novas e sólidas, arrancaram os coqueiros, entupiram a piscina, destruíram os jardins e aplainaram o terreno que lá está à espera de novas construções. Sob o impacto ensurdecedor dos roncos macabros dos motores da destruição, insistiam em voltar à minha lembrança, com força, os sons de Los Guaranis nas noites alegres de Réveillon, com seu repertório de sucessos a animar os foliões que procuravam espichar a festa aos gritos frenéticos de mais um, mais um.

Na condição de pessoa que teve o singular privilégio de arrumar livros enquanto se deleitava com a apresentação ao vivo da famosa orquestra, associo-me às homenagens que lhe são prestadas. Parodiando os hoje emudecidos foliões do extinto Hotel Parque dos Coqueiros, cuja vida efêmera contrasta com a longevidade de Los Guaranis, para este, peço e desejo mais 50, mais 50 anos de vida e sucesso.

Para a Academia Lagartense de Letras, à qual pertenço com muita honra, parabéns pela iniciativa, que além do cunho cultural, se reveste em ação de solidariedade, uma vez que a renda da venda do livro é destinada a entidade beneficente.

Que frutifique junto ao empresariado local a iniciativa de apoiar ações culturais embasadas em projetos que refletem as conquistas e os anseios da comunidade. Ao se materializarem, que revertam em benefício da coletividade e reforcem os processos identitários tão necessários e celebrados nesses tempos de globalização. Essas iniciativas também merecem um pedido de bis.
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*Escritora, membro da Academia Lagartense de Letras e professora emérita da UFS.

3 comments

Paulo Nogueira Fontes

Falar de Los Guaranis nos leva à década de sessenta, quando eu estudava no Colégio Agrícola e me orgulhava diante dos colegas de outras cidades do interior sergipano, por ser filho do Lagarto que possuía o melhor conjunto musical de Sergipe e, nas exposições de gado zebu, em Uberaba, O touro “Natal” era o Campeão Nacional da raça e nascido na fazenda de Martinho Almeida, lagartense como todos nós. Bons tempos esses anos sessenta, cheio de romantismo e uma juventude idealista que ainda hoje lembro-me com saudades!

Bosco – Los Guaranis

Professora, este seu relato é a cara da nossa história. Realmente, foram vários os réveillons que tocamos no Hotel Parque dos Coqueiros. Só não sabíamos que estávamos tirando o sono de um papa-jaca tão ilustre. Parabéns pelo texto! Grande abraço, Bosco

Raimundinho

Falar de Los Guaranis é sem dúvida um grande e emocionante privilégio para quem teve ou tem a oportunidade de vê-los se apresentar. Hoje, Lagarto está órfão de assistir às memoráveis apresentações dessa grande orquestra que no passado era a Banda que mais fazia os grandes bailes na AAL. Los Guaranis ainda está viva, porém, poucas são suas apresentações na terra natal, apenas uma grande apresentação se dá, anualmente, no ginásio do Colégio das Freiras, que, infelizmente, nem todos têm o prazer de assistir, por falta de espaço. Mas, por outro lado, é sempre um orgulho saber que essa Orquestra é de Lagarto e que hoje chegou aos 50 anos de existência e continua viva e levando o sucesso aonde chega. Aos fundadores e integrantes de Los Guaranis, os nossos votos de mais outros 50 anos de vida.

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