A feira
por Francisco Souza
> Segunda-feira, bem cedinho, e lá iam as pessoas subindo com baldes e sacolas para a praça da feira. Pessoas, a pé ou montadas em animais, formavam uma verdadeira procissão num emaranhado de animais e gente.
Na praça da feira, havia dois grandes galpões em que se vendia de tudo. No primeiro, conhecido como o galpão da farinha, vendia-se desde a tapioca, farinha, feijão, milho, arroz, aos mais diversos tipos de miudezas. Havia diversas bancas de sapato, como a de Seu Rafael, e outras que vendiam rolós, tamancos como a de Seu Manoel Tamanquinho, tudo na parte interna do galpão. Já nas calçadas em redor, havia várias pessoas vendendo beijus, malcasados e pés-de-moleque enrolados em folhas de bananeira, e ouricuris.
À tarde, era bastante interessante ver o estado em que ficavam as pessoas que negociavam a farinha e a tapioca. A poeira que levantava da farinha, quando elas estavam enchendo as “terças”, uma espécie de medida feita de madeira, deixava os cabelos e os rostos das pessoas totalmente brancos.
Já no outro galpão, que era o do meloto, ali eram vendidos açúcar cristal, açúcar preto e o açúcar em pó, sal grosso e sol moído, a rapadura que era transportada em caixotes de madeira, o caranguejo, o aratu, e tudo mais que provocasse aquela melação.
Entre os dois galpões, bem perto de uma torre de tijolo aparente, conhecida como torre da forca, que servia de depósito, ficavam barracas, como a de Seu Antonio de Mirena, que vendiam açúcar, sal e o famoso refrigerante conhecido como amorosa, com ou sem espuma. Bem pertinho dali, ficavam as pessoas que vendiam querosene e óleo diesel, utilizados para abastecimento dos candeeiros, único recurso para iluminação daquela época. As pessoas levavam em garrafas que eram amarradas pelo gargalo, com barbante ou caroá. Ali também ficavam as louceiras que vendiam potes, moringas, panelas, bois e bonecos de barro, frigideiras que serviam para cozinhar lombo no fogão de lenha.
Mais adiante, em direção à cadeia pública, ficava o Talho de Carne Verde, como era conhecido na época, e que, hoje, se chama de açougue. Aquele galpão enorme era dividido em duas alas, e abrigava em torno de cinquenta marchantes de boi, carneiro e porco, cujas carnes eram expostas em cima das bancas feitas de alvenaria, e os ossos eram cortados a machadadas, em cima de um cepo grosso de madeira. Eram como uma sinfonia os estalos dos machados, numa sequencia quase que ritmada como o vozeirão das pessoas e que se espalhavam por todo o mercado. Do lado de fora, ficavam as fateiras que, logo cedo da manhã, passavam pela lateral de nossa casa, com bacias na cabeça cheias de vísceras e cabeças de boi, porco e carneiro, cobertas com folhas de mato, num converseiro que acordava as pessoas dentro de suas casas. Vinham do matadouro que ficava no lugar conhecido como As Pratas, em direção ao Talho de Carne. Juntos a elas iam também os burros carregados de carnes. Cada animal levava duas bandas de um boi e apanhava constantemente com uma correia de couro, conhecida como chibata, que funcionava como acelerador de burro.
Lá pelas três horas da tarde, estão de volta os feirantes, carregando as suas compras em alforjes e bocapios, em busca dos locais onde guardavam os cavalos. Uma paradinha na bodega de Zeinha Macário, e um gole de angico, seguido de uma cuspida de longo alcance.
Aos domingos, era costume assistir à passagem da boiada em busca do matadouro. O rebanho era conduzido a pé, pelos vaqueiros que, aos gritos, cuidavam para que nenhuma rês se dispersasse do rebanho e entrasse em alguma casa que estivesse com a porta da frente aberta, como acontecia de vez em quando, causando um tremendo susto aos moradores da Av. Zacarias Júnior. e da Rua Santo Antonio, que, por não serem pavimentadas, se enchiam de poeira que entravam de casa a dentro.
A feira se estendia até as cinco e meia da tarde, deixando, na praça, toda aquela sujeira de folhas de bananeira, palha de milho e tudo mais que, ao estilo cultural da época, era propício se “jogar na rua”, até que, na terça-feira, os varredores levavam o dia inteiro para varrer e apanhar todo aquele lixo que era conduzido em carroças de burro e jogado na baixada do terreno pertencente ao Seu Pedro da Mata.
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