O dia em que Lagarto parou
Por Paulo Ferreira do Nascimento
> Ainda havia euforia pelo encerramento da 2ª Guerra Mundial, os trabalhos para instalação da rede férrea estavam ativos e tudo indicava que teríamos um ramal de trem até Simão Dias. O Campo da Vila, verdejante contemplava a imensidão do céu azul em pleno verão. Passava pouco mais das três horas da tarde, quando um ronco surdo de motor, jamais ouvido por alguém da cidade, fez com que a população corresse para as ruas, observando uma raridade no céu lagartense.
Era um pequeno aeroplano, como se dizia na época, monomotor de dois lugares, que, insistentemente, sobrevoava a cidade em círculos rasantes, como se estivesse à procura de um lugar seguro para descer.
Os comentários eram os mais diversos: alemães em fugas, castigo do céu, visita de alguma autoridade sulista etc. etc.
As pessoas corriam em busca de um lugar alto para melhor observar o pequeno avião, as crianças assustadas choramingavam atrás das portas, aturdidas pelo vexame, enquanto que as beatas rezavam insistentemente pensando ser uma das bestas do Apocalipse, que não foram deixadas pelo nosso Deus de Amor.
Até que alguém postado na magnífica torre da Igreja da Piedade deu partida à grande corrida dos curiosos. A pequena aeronave tinha aterrissado na magnitude verdejante do Campo da Vila.
O pequeno comércio, às pressas, fechou suas portas, só o aluguel de bicicletas funcionou a mil por hora, a Rua da Glória atulhada de pessoas pedalando, correndo ou caminhando em direção ao Campo da Vila, era uma verdadeira festa fora de época, uma romaria. Os carros-de-boi passavam gemendo repletos de anciões em busca de ver a novidade que veio do céu.
Arrodeado pela multidão, o pequeno avião, com a carlinga já aberta, era o mais raro altar de devoção na descoberta do inusitado. Tocar na aeronave era o grande prêmio dos que ali chegavam. Levar um pedaço da fuselagem era o troféu mais desejado naquele momento.
Atônitos ao que se passava dois homens alourados de estatura física avantajada, pasmados, ficaram sentados dentro da cabine temendo pelo pior e faziam de tudo para se comunicar com uma linguagem ainda mais desconhecida pelos deslumbrados observadores. Coube a Nelson Ferreira, autoridade telegrafista da cidade, os primeiros contatos gesticulares com os desconhecidos e aflitos pilotos. Como na cidade estava um Fuzileiro Naval que entendia um pouco de inglês, ficou esclarecido mais tarde, que a nave tinha se perdido de rota e, em razão do pouco combustível, fora obrigada a aterrissar no município lagartense.
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